quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Pesada IGNORÂNCIA que persiste - Texto integral

Basta um curioso espreitar pela janela, um simples sair da porta, um breve virar de esquina ou uma interessante volta ao quarteirão… Qualquer um destes banais actos é suficiente para nos depararmos com uma variedade de olhares e rostos tendente para o infinito, os quais na invisível face escondem, não só diferentes personalidades, como também diferentes culturas, e na face visível mostram feições distintas, semblantes divergentes, traços díspares, aparências desiguais e, muitas vezes, diferentes raças!
Assim, os banais actos referidos deveriam ser vistos como algo enriquecedor, na medida em que proporcionam o contacto com estas diferentes raças e, portanto, com as culturas correspondentes. No entanto, tal não acontece, e na possibilidade de novas convivências, as pessoas preferem a ignorância de permanecerem restringidas apenas à sua raça. É possível, em apenas uma palavra, descrever este acto de insciente e inculta escuridão. A palavra será, decerto, racismo, que todos pensam conhecer, que muitos conhecem de perto, sendo poucos os que se preocupam com as suas causas ou consequências, talvez pelo facto de a popularidade do assunto o tornar banal, ou quem sabe para prevenção do ferimento de determinadas susceptibilidades.
Esqueçamos, porém, a falta de preocupação demonstrada pela maioria das pessoas, e enquanto os olhos lêem estas linhas e o cérebro pressupõe as entrelinhas, reflictamos acerca do racismo no mundo, porque não é uma hipérbole afirmar que aquele existiu e existe em todas as sociedades e, consequentemente, em todas as épocas. Para tal reflexão, é necessário que se compreenda em que consiste esta forma de destrinça: pode entender-se racismo como a propensão do pensamento para dar importância em demasia à existência de raças humanas distintas, sendo criada uma relação de superioridade e inferioridade entre as mesmas e, assim, uma ideia de que determinados traços físicos organizam, como que hierarquicamente, os diferentes povos.
Estamos agora em condições de verificar o que foi afirmado anteriormente, estamos agora em condições de percorrer um pouco a história, estamos agora em condições de reflectir...
Desde os tempos mais antigos que a distinção entre povos existe. Todavia, inicialmente os casos não eram propriamente de racismo, mas sim de xenofobia, podendo assim dizer-se que um dos primeiros e mais antigos casos de distinção entre raças foi o apartheid, ao qual, na língua de Camões, se dá o nome de segregação racial. Segundo este regime, os povos de raça branca tinham de viver isolados ou apartados dos restantes, pois os primeiros consideravam-se maiores, superiores, supremos, não podendo assim coabitar o mesmo espaço de quem menosprezavam. De igual modo, pensemos também nos tempos de escravatura, e tentemos ser peixes, para não só recordarmos, como também ouvirmos, como se estivéssemos na sua presença, Padre António Vieira pregando, revoltado, o facto de naqueles tempos “os grandes”, ou melhor dizendo, os que se julgavam como tal, comerem “os pequenos”, julgando-os também como tal. Olhemos que “todo aquele bulir, todo aquele andar, todo aquele concorrer às praças e cruzar as ruas, todo aquele subir e descer as calçadas, todo aquele entrar e sair sem quietação nem sossego” eram os mais pequenos e discretos actos de um “grande”, com o também grande e enojado fim de procurar quem comer e como comer, tendo como única condição à sua “refeição” que esta fosse rica em pobres “pequenos”!
Desenganem-se, contudo, os que consideram que só naquele tempo os chamados pequenos eram forçosamente comidos e engolidos, neste caso, por uma onda de racismo que assolava as mentes dos grandes da época, pois hoje, no nosso quotidiano presente, tal também acontece. Ainda assistimos, segundo a segundo, minuto a minuto, hora a hora e dia a dia, a situações de discriminação. Consideremos, apenas a título de exemplo, uma simples procura de emprego, e verificamos que a obtenção deste se torna mais complexa, quando se tratam de contratos entre pessoas de diferentes raças, quando se tratam de acordos entre grandes e pequenos…
Todo este surgir e decorrer de exemplos históricos e sociais, impõe uma pesada dúvida que leva à quase sempre inevitável questão: porquê? Qual o porquê desta tão antiga e tão presente distinção?
Não haverá decerto uma explicação coerente para a intolerância e desrespeito pela diferença. Podemos pensar, no entanto, que tal pode dever-se ao desconhecimento ou insipiência que cada cultura tem sobre as demais. Já no que diz respeito ao uso de negros para escravatura, pode ser associado também ao facto de na época se considerar que estes eram precisamente o símbolo de servidão e de dependência daqueles que eram considerados superiores – os arianos –, devido a um estranho egoísmo ou a um insaciável egocentrismo que possuíam. Talvez por esta razão, ainda nos tempos presentes, se associem maioritariamente os negros a vítimas deste tipo de discriminação. No entanto, é importante salientar que esta existe entre todas as raças e não deve ser particularmente associada a este caso específico.
O racismo, como grande problema da sociedade, conduziu até a tentativas científicas para obtenção de uma justificação coesa das suas causas, das quais foi concluído que se deveria ao facto de a raça ariana ter povoado a Europa e dela terem nascido as raças inferiores.
Contudo, talvez não seja próprio explicar-se cientificamente o que advém, não só de ideias relacionadas com os nossos antepassados histórico-culturais, mas também e principalmente, de uma névoa que existe nas pessoas que vivem em sociedade, apenas com a sua sociedade, das pessoas que não conhecem e recusam o conhecimento e vão transmitindo esta falta de valores de geração em geração, uma névoa à qual se pode, em jeito de disfemismo, chamar ignorância. Ignorância essa que aparece de mão dada com a indiferença, e até agora dela não se separou, o que implica que as vítimas de actos racistas se sintam diminuídas, rebaixadas e excluídas, já que estes comportamentos afectam o sistema psicológico de um indivíduo, podendo, quando graves, conduzir a uma depressão.
Então, o que será necessário? O que será necessário para que se acabem com os actos racistas? O que será necessário para que todos reflictam, naturalmente e não por pedido, acerca das infelizes consequências e das néscias causas deste mal da nossa sociedade? O que será necessário para sermos peixes, sabendo que Padre António Vieira não volta? O que será necessário para sermos Padre António Vieira e conseguir peixes que nos ouçam?
Mudar as mentalidades! Para que se queiram conhecer feições distintas ao espreitar pela janela, semblantes divergentes ao sair da porta, traços díspares num virar de esquina, aparências desiguais ao dar uma volta ao quarteirão e diferentes raças ao praticar qualquer um destes actos, sem que haja qualquer espécie de recusa, de repudia, de descarte ou de rejeição em relação ao próximo apenas porque o não se conhece verdadeiramente, para que não se opine acerca de outrem por falta de concepções ou conhecimentos, já que isso é o chamado preconceito, preconceito apenas pela diferença que não é, pois aqui a palavra diferença adquire um significado de tal forma específico que se é diferente sem o ser.
Por essa razão, a unidade é tão necessária no mundo dentro da diversidade que no mesmo existe, pois apesar de vulgar, não deixa de ser verdade a expressão que ensina que “todos somos iguais”, sem pequenos nem grandes, sem inferiores nem superiores, sem cativos nem vencedores, sem servos nem servidos, sem escravos nem livres, sem negros nem brancos!


Nadi Aguiar, 12.º A

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